No âmbito recente das decisões judiciais trabalhistas, um caso emblemático envolvendo um supermercado reforça a importância da observância rigorosa dos princípios da não discriminação no ambiente de trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho, em julgamento ao Processo RR Ag-1000647-66.2017.5.02.0077, condenou um supermercado (Atacadão S.A.) a reintegrar um supervisor administrativo que foi dispensado, alegadamente, em virtude de sua condição de obesidade mórbida e outras doenças associadas.
O supervisor, com 12 anos de serviços prestados à empresa, viu-se afastado de suas funções após uma licença médica em 2015. Alegou ter sido alvo de discriminação, sendo segregado de suas atividades habituais e submetido a tratamento inadequado por sua chefia. O motivo da dispensa, conforme relatado pelo gerente, baseou-se em sua saúde, estado físico e peso, argumentando que em breve não teria a capacidade necessária para desempenhar suas funções.
A decisão proferida pela Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou a dispensa discriminatória, reconhecendo que a obesidade mórbida não apenas desencadeia outras condições de saúde, mas também enfrenta estigmas sociais que podem influenciar na percepção da produtividade e capacidade do trabalhador. A relatora do caso, ministra Maria Helena Mallmann, enfatizou que o estigma em torno da obesidade frequentemente retrata indivíduos como menos produtivos, indisciplinados e incapazes.
A Decisão dialogou com precedentes já consolidados do TST: Um dos casos paradigmáticos é a dispensa imotivada de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite real estigma ou preconceito. Quando o empregador tiver conhecimento de tal situação, gera a presunção de ocorrência de ato discriminatório, conforme Súmula nº 443.
A decisão unânime do tribunal reforça a premissa de que a dispensa discriminatória é inaceitável no cenário jurídico brasileiro, contrariando não apenas a legislação trabalhista, mas também princípios constitucionais e convenções internacionais. A relatora destacou que tanto a Constituição Federal quanto a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho repudiam qualquer tipo de discriminação no ambiente de trabalho.
É essencial notar que a decisão ressalta a responsabilidade das empresas em provar que a dispensa possui motivação lícita, especialmente em casos que envolvem trabalhadores com condições de saúde que possam suscitar preconceitos. Nesse sentido, caso haja a demissão na modalidade sem justa causa de um trabalhador que seja acometido por doença grave que suscite estigma ou preconceito, em um processo trabalhista, a empresa deverá provar que a demissão não foi baseada em algum preconceito.
No caso narrado, não se constatou outra motivação para a dispensa, aliada a indícios de discriminação ao longo dos 12 anos de contrato e à dispensa após retorno de licença médica, elementos que juntos contribuíram para a condenação do supermercado.
A Lei nº 9.029/1995 aborda sobre essa temática e no artigo 1º proíbe a adoção de práticas discriminatórias e no artigo 4º descreve as consequências para o caso de rompimento de trabalho por ato discriminatório, em especial a reintegração e o ressarcimento integral do período de afastamento.
Esse caso destaca não apenas a necessidade de conformidade estrita com as leis trabalhistas, mas também a importância de cultivar ambientes de trabalho inclusivos e respeitosos, promovendo a equidade e preservando os direitos fundamentais dos trabalhadores. A condenação serve como um alerta para as empresas, reforçando a necessidade de políticas internas que combatam a discriminação e promovam uma cultura organizacional que preze pela justiça e igualdade.
Miriam Olivia Knopik Ferraz:
Advogada, Mestre e Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná com dupla titulação em Dottorato di Ricerca na Università di Roma - La Sapienza. Professora universitária. Sócia Fundadora do Knopik & Bertoncini Sociedade de Advogados.
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